quarta-feira, 30 de maio de 2012

Não tinha portas, não tinha teto, não tinha nada

Era uma casa grande. Sem portas. Cláudia e Francisco estavam sentados em um aconchegante sofá amarelo. Conversavam asneiras desconexas. Não encontravam sentido naquele diálogo. Mas, não conseguiam evitá-lo. No andar de cima, separado do pavimento térreo por uma escada despedaçada e suja, Vanessa dormia numa rede estendida sob o piso cinza. Um incenso de alecrim deixava o ambiente com um cheiro um pouco mais agradável. Porém, não era suficiente para evitar o odor de mofo que a falta de portas trazia àquele lugar.

Era uma casa grande, bonita por fora. Oca por dentro. Por fora, atraía os olhares mais curiosos e desejosos. Porém, quando adentravam, a vontade era de recuar. Pedaços do teto caíam bem devagar. O cheiro de alecrim era doce. Vanessa era doce. Cláudia e Francisco também. Não eram, exatamente, um casal, mas eram um par. Pelo menos tentavam ser, como também tentavam permanecer naquela casa que acolhia e amedrontava. Vanessa também, resistia entre sono, sonhos e incensos para continuar alí.

Era curioso quando um pedaço do teto desabava. Às vezes, estavam os três reunidos quando isso acontecia. Paravam, olhavam-se e sorriam. Vanessa piscava para Francisco que ia imediatamente na área de serviço buscar a vassoura, a pá e um saco de lixo. Com instrumentos adequados nas mãos, Vanessa e Cláudia limpavam o pedaço desabado. Francisco levava o lixo para fora, sem precisar abrir ou fechar porta alguma. Nada de fechaduras ou chaves.

Outras vezes, desabava um pequeno pedaço do teto na direção de algum deles. As reações eram bem diferentes e variavam a cada novo dia, tarde, noite. Cláudia, quase sempre desviava. Francisco, ao perceber uma leve sensação de que ia desabar colocava-se a postos de imediato para tentar agarrar com as mãos o pobre pedaço de teto. Corria de um lado a outro e quase nunca conseguia evitar a queda. Vanessa, a cada dia, usava uma tática diferente. Mas sempre, acabava limpando os restos de teto que se esparramavam pelo chão.

E, assim, iam seguindo, os três, naquela casa sem portas e com um teto em frangalhos...

6 comentários:

ivan disse...

texto profundo e belo... bjs, ivan

Unknown disse...

Seu blog está lindo, Bruna!

Bruna Hercog disse...

Valeu, querido e querida!

Maria Thereza disse...

Bruna querida, mais uma faceta dessa geminiana multifacética, competente e generosa.
Adorei,bjs

Luiz Souza disse...

sei lah... eles poderiam tentar algo a três além de catar os cacos do teto... talvez pudessem tentar catar os cacos de si proprios...

Bruna Hercog disse...

É Luiz, talvez com o teto que cai, caiam pedaços de dentro...e quem sabe para conseguir catar seja primeiro preciso aprender a vê-los cair...