sexta-feira, 22 de julho de 2011

Gunna

Mulher nuvem. Mulher pedaço. Gunna. Não tem cor, não tem nome, não tem tamanho. Me toma inteira. Ela tem um cheiro particular. De mundo em movimento. É um cheiro que se espalha. E por enquanto seu cheiro é a única parte que pode compartilhar. A mulher nuvem tem medo da chuva, dos trovões, dos raios...

Porque sabe que tem o poder de fazer chover e trovoar bem forte. Sabe que tem um poder de ventre, de útero, de sangue, de gerar vida. E isso a faz estremecer inteira. E adormecida nos seus medos, ela tem sede de mundo. Segue o seu caminhar com um tato inigualável. Porque é capaz de tocar com os olhos, com a pele, com a língua. A sua saliva toca, monta e desmonta histórias. Ela é um amontoado de descobertas constantes.

A descoberta que mais encanta é a de aprender a escutar. Fugiu desta habilidade durante anos. Mas, as suas camadas espessas de nuvens foram mostrando a ela que sim, era preciso escutar os trovões mais distantes, ou as gotículas de desejos mais próximas. E passou a escutar mulheres. Histórias de mulheres que se movem. Movem-se por medo. Movem-se por coragem. Movem-se porque são mulheres. São mulheres e precisam se mover. Levam dentro de si, fetos. Sementes de uma nova vida movida. Levam debaixo da calça o sexo que apavora e atrai. Levam dentro dos olhos, a esperança de uma nova vida. Levam nos cabelos bem penteados o sonho de uma vida em cor de rosa.

E nos ombros, o peso de se saber mulher. Às vezes de um homem, às vezes de um filho, às vezes de dez irmãos, às vezes de uma mãe. Às vezes, de ninguém. E sobem no teto de um trem em movimento. E dormem embaladas pelo vento. Eu sou essas mulheres. Meninas. Crianças. Guerreiras. Eu sou cada pedaço desses sonhos. Uma mulher movida. Por diferentes motivos, decidi me movimentar pelo mundo. Em busca de descobertas profundas do meu ser nuvem, do meu ser de tantas formas, do meu fazer chover, do meu gotejar sereno. Eu estou em cima desse trem. Mas, o meu trem tem outra forma. É tão quentinho e protegido. É tão abençoado. Os trilhos podem ser de tantos tamanhos e levar a tão diversos caminhos. E eu tenho a chance de escolher. 

As mulheres que escuto não. Elas são levadas, lavadas, lentamente despedaçadas em trilhos e vagões que, às vezes, representam a única chance que possuem para olhar o mundo de outra maneira. Enquanto eu coloco uma mochila nas costas e decido viajar, elas viajam para tirar o peso do mundo que corroem suas costas e seus corações. E sorriem. Brincam. Enfeitam-se. Contam suas histórias sem derramar uma lágrima sequer. São feitas de entranhas. E eu, aqui, na minha dócil ingenuidade me dizendo forte, me dizendo guerreira...

3 comentários:

Carol Garcia disse...

quem somos nós nesse mundo de tantas dores né amiga? me faço muitas vezes essa pergunta também... o caminho que você escolhe pra seguir te leva às respostas tão desejadas, de formas tão inesperadas...com certeza os relatos dessas mulheres sofridas, guerreiras, algumas até embrutecidas por tanto sofrimento, que imagino pelo seu texto, ensinam que viver é agora, e que cada passo nosso faz diferença. acredite que o seu trabalho está sendo de um valor incalculável, tanto pra você quanto pra cada uma delas, eu tenho certeza disso!!

Sarah disse...

Bruninha,

Que texto profundo, bonito, visceral! Estou dilacerada com o que li, com cada imagem que acessei, com cada parte de mim que recebeu suas palavras como boas cutucadas. Obrigada por nos oferecer algo tão valioso, em termos de pensamento e interrogações. Noto que os relatos que lhe chegam estão lhe penetrando de uma forma extremamente valiosa, na medida em que você tem se proposto a olhar pra si, a pensar em outras tantas diferentes mulheres do mundo e a reafirmar, a partir das ricas vivências, o quanto o feminino é um enredo que se constrói de tantas diferentes formas, à base de tantas diferentes alegrias, dores, faltas, carências, mortes, nascimentos, abortos, ventres, bucetas, seios, pernas, escolhas políticas, medos, necessidades, deslocamentos. Tenho certeza que esta sua passagem pelo México está sendo altamente transformadora. Lindo de ver, lindo acompanhar sua disposição para a vida, sempre com o braço dado com a firme ação que lhe solicita: retire o véu, saia da aparência e percorra os labirintos de tudo que você cruzar no caminho. Bruninha, luz e força para todas estas mulheres que você está tendo nobre prazer de prosear e se encantar com o que elas transmitem, ou seja, "a mulher selvagem". A propósito, estou lendo "Mulheres que correm com os lobos" e estou fascinada. Tenho lembrado demais de você. Beijos muito carinhosos e admirados

Bruna Hercog disse...

que comentários lindos...que mulheres lindas que seguem comigo!!!!